Desde ontem, advogados e juristas discutem um acordo assinado entre o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e a Serasa Experian pelo qual o tribunal repassará informações cadastrais de 141 milhões de brasileiros para a empresa, que gerencia um banco de dados sobre a situação de crédito dos consumidores do País, em troca de mil certificados digitais.
A publicação da notícia do acordo, hoje, pelo jornal O Estado de São Paulo, levou a presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Cármen Lúcia, a defender a suspensão imediata do repasse de dados de eleitores para a Serasa, alegando que o acordo deveria ter sido submetido à análise e condicionado à aprovação prévia plenário da corte.
Via Twitter, vemos a análise de um advogado especializado em Direito da Informática, Paulo Sá Elias. Segundo ele, a natureza jurídica das informações trocadas pode legitimar o acordo. Assim como o CNPJ e CPF, o número do título de eleitor pode ser realmente uma informação de domínio público. Além isso, o acordo de cooperação técnica, em si, descaracteriza a “venda” de informações, paga com certificados digitais.
Confira, abaixo, a íntegra da análise de Paulo Sá Elias.
“Conforme prometido, aqui está a minha opinião.A notícia assusta. Quando li a primeira vez, torci o nariz. Ora, estão entregando informações cadastrais pessoais em troca de cartões e leitoras? Mas o que realmente foi entregue?Trata-se de “cadastro de domínio público”? Se for, não há perplexidade do ponto de vista jurídico.Vamos imaginar que o acesso seja aos seguintes dados:a) CNPJ – Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica- nome empresarial- nome de fantasia- número de inscrição no CNPJ- endereço completo- natureza jurídica- atividade econômica- situação cadastral- representante legal- quadro societáriob) CPF – Cadastro de Pessoas Físicas- nome completo- número de inscrição no CPF- data de nascimento- nome da mãe(*) Sendo esses dois últimos apenas para solucionar problemas de homonímia.Se assim for, são dados constantes do denominado “cadastro de domínio público”.Qual o fundamento legal? Preliminarmente, a Consti tuição Federal Brasileira, art. 5º, incisos XIV e XXXIII:XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;XXXIII – todos têm direito a receber dos órgãos púb icos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;Como é notório, em nosso país, o direito de acesso à informação possui magnitude constitucional e o seu exercício é plenamente assegurado, como exemplo, aos concedentes de crédito, aos consumidores e outros.Além disso, há divisão sistemática entre a tutela constitucional da intimidade (odireito à privacidade) e o direito à autodeterminação informativa, cuja matriz também é constitucional, inc. LXXII, do referenciado art. 5º, da Lei Maior (CF/88).O propósito do legislador fica evidente, quando verificamos que as pessoas jurídicas de direito privado que atuam no âmbito da proteção ao crédito (como a SERASA), por exemplo, tendo em vista, entre outras razões, o interesse geral ou coletivo e a garantia da base estruturante para o funcionamento da economia de mercado – (que é o “crédito”) – chegam até mesmo a receber o “status” de entidades de caráter público, conforme é possível encontrar de forma emblemática no art. 43, § 4º, Lei Federal nº 8.078/90 – bem como no parágrafo único, do art. 1º, Lei Federal nº 9.507/97.Conveniente mencionar ainda, historicamente, também como referência, as resoluções nº 1.559/88, 2.682/99 e 3.721/2009, do órgão deliberativo máximo do Sistema Financeiro Nacional (CMN) e a LC nº 105/2001, que demonstram claramente a orientação e a preocupação do governo com a estrutura de gerenciamento da atualização cadastral e risco de crédito no mercado, permitindo a identificação, mensuração, controle e mitigação dos riscos associados a cada instituição individualmente e ao conglomerado financeiro, bem como a identificação e o acompanhamento dos riscos associados às demais empresas integrantes do consolidado econômico-financeiro. Ch ega até proibir a realização de operações de crédito com clientes que possuam dados cadastrais desatualizados.É de grande interesse do atual (e anterior) Governo Federal – o aperfeiçoamento dos sistemas cadastrais e também de gestão dos riscos de crédito no Brasil. Alegam que tais avanços nos sistemas de informações cadastrais e de crédito são fundamentais para o desenvolvimento da economia brasileira, oferecendo a população uma série de benefícios, como o crédito em melhores condições, o controle sobre o superendividamento, segurança em relação à consistência e atualização dos cadastros, maior rentabilidade e competitividade para as empresas.Não é difícil notar, portanto, que grande parte dos governos nos países em todo o mundo trabalha no sentido de desenvolver e aprimorar sistemas de informações, cadastros, gerenciamento de riscos e também informações de crédito, bem como sistemas de informações cadastrais de domínio público, compatíveis com o estágio atual de sofisticação do mercado e das negociações, oferecendo aos órgãos públicos e pessoas jurídicas de direito privado – especialmente aquelas onde as atividades são capazes de tangenciar interesses gerais ou coletivos – ferramentas de tecnologia da informação, tanto no âmbito da informática – quanto, especialmente, da telemática.
Se a troca do TSE com o SERASA foi de informações cadastrais de domínio público, não há irregularidade. Salvo melhor juízo, é a minha opinião.Abraços,@psael
A discussão continua. Há quem acredite que chamar de “acordo de cooperação” não muda a realidade de que o TSE recebeu benefício em troca, caracterizando venda de dados cadastrais.
Particularmente, esse debate vai longe. E precisamos, com urgência, que o Projeto de Lei de Proteção de Dados Pessoais seja enviado ao Congresso, debatido e aprovado.
E desagradável esse vai e vem de informação e sobretuto o cruzamento de informações que o acordo permite.
O Projeto de Lei de Proteção de Dados Pessoias, em gestacão há anos no Ministério da Justiça, harmoniza várias legislações (da área financeira, de saúde, de defesa do consumidor) sobre a guarda e o uso de dados. Quando foi idealizado pretendia assegurar ao cidadão o controle e titularidade sobre suas próprias informações pessoais, de modo a concretizar o direito à privacidade protegido constitucionalmente.
De acordo com a proposta inicial, informações pessoais deveriam ser repassadas apenas com o consentimento prévio do seu titular e somente para a finalidade específica indicada no momento da coleta dos dados. O consentimento também seria necessário para usos posteriores dos dados, como comercialização ou repasse a terceiros.
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